UX para quê(m)?
As leis e heurísticas de UX/UI, assim como o Design em geral, são universais em suas aplicações: ajudar o usuário a completar uma tarefa. Porém, se caminharmos por diferentes mercados onde as soluções digitais se fazem necessárias, encontraremos peculiaridades inerentes a cada contexto. Em um e-commerce, por exemplo, a necessidade de conversão é essencial para a saúde do negócio e todos buscam o menor número possível de cliques para completar uma tarefa, já em um aplicativo de banco, mais cliques para completar uma transação podem ser preferíveis por questões de segurança.
No contexto industrial, o foco da construção de interfaces gira em torno de três pilares principais para tornar a experiência mais produtiva: segurança, agilidade e redução de esforço cognitivo. Como consequência, podemos ter benefícios diversos, como o aumento na segurança dos funcionários; a melhoria da usabilidade; a redução do tempo de treinamento; o aumento do tempo de vida útil dos ativos; o aumento da produtividade; a redução de erros humanos; entre outros.
Para promover tudo isso, é importante fornecer insights aos usuários em vez de dados. Ou seja, informações processadas para que seja viável tomar decisões de forma simples e rápida, sem grandes esforços para interpretação.
Ciclo de análise, dos dados à ação.
Assim, as interfaces devem simplificar a complexidade dos processos reais sem deixar de informar o que for relevante ou onerar o tempo e raciocínio do usuário.
Possíveis peculiaridades do cenário
Usuários
Perfil
Quantos e quais perfis de usuário irão utilizar a solução? Se existem diferentes perfis de usuários, devemos nos preocupar em setorizar versões de acordo com as necessidades de cada um. Ex: o operador de uma Caldeira pode não ter necessidade de saber o que ocorre com um Reator, dar acesso apenas às informações da Caldeira pode ser uma oportunidade de reduzir seu esforço cognitivo. Já um supervisor do processo como um todo, não pode ter uma visão limitada.
No meio industrial também é comum encontrar usuários resistentes ou até mesmo céticos com novas soluções. É essencial tentar estabelecer um vínculo e manter contato com os stakeholders e usuários diretos sempre que possível, não apenas para entender suas necessidades, como também para mostrar como as suas opiniões e modelos mentais estão sendo convertidos em soluções eficientes ao longo do projeto, aumentando assim as chances de que seu produto terá a proposta de valor percebida e garantindo que eventuais mudanças no processo serão comunicadas.
Repertório
O que os usuários operam hoje? Os funcionários já operam outros sistemas e HMIs. O que podemos aprender dessas interfaces? É útil investigar o que auxilia ou frustra o usuário nos processos e interfaces atuais antes de desenvolver uma nova solução.
Disponibilidade
Usuários de ambientes industriais podem ser bem inacessíveis. Dependendo do tipo de indústria, do nível de instabilidade do seu processo e até mesmo da compreensão dos stakeholders sobre a importância do contato, pode ser difícil ter acesso a uma quantidade significativa de usuários ou com a frequência ideal para o desenvolvimento de uma solução bem construída. Para contornar as limitações pode ser necessário:
- Ser objetivo nas pesquisas;
- Observar o modelo mental de cada perfil localmente em vez de apenas aplicar questionários e entrevistas;
- Realizar um bom trabalho de Desk Research, não apenas do ponto de vista do problema a ser solucionado e de seus usuários, mas também acerca da indústria e seus processos;
- Em alguns casos, flexibilizar processos de Design;
- Consultar outros usuários do mesmo perfil: é possível que você tenha sido contratado por um cliente específico para desenvolver a solução, porém, exceto em casos de exclusividade, você não deseja que o seu produto seja adequado para apenas um grupo. Deste modo, embora as necessidades do cliente devam ser priorizadas, ele não precisa (nem deve) ser o único a ser consultado no desenvolvimento da solução, visto que na eventual comercialização do produto, pode ser difícil atender necessidades de outros usuários que não foram considerados durante a concepção.
Ambiente
Apesar de estarmos na era onde tudo parece ser possível remotamente, faz-se necessário conhecer o ambiente onde a solução será utilizada. Algumas preocupações necessárias:
- Qual é a iluminação ambiente onde o sistema será utilizado? Ao ar livre, por exemplo, é possível que um alto contraste seja necessário para suprir a alta luminosidade;
- Quais são os ruídos presentes no ambiente? Se um ambiente é cheio de ruídos, muitas vezes sendo necessário o uso de protetores auriculares, pode não fazer sentido incluir notificações sonoras na aplicação. Se possível, teste localmente;
- Os usuários terão as mãos livres e posição confortável e segura para operar a solução? É possível que seja necessário pensar em soluções que contornem o tipo de atividade desempenhada pelo usuário. Um engenheiro que opere deitado abaixo de uma máquina, por exemplo, pode não ter ângulo de visão confortável para operar uma tela de celular ou espaço suficiente para uma tela de tablet ou computador; um operador da área de energia pode utilizar luvas de proteção que o impeçam de utilizar o touchscreen; óculos de segurança podem dificultar a visualização da tela; entre outras situações;
- O que pode desviar o foco da solução? Condições insalubres, como ruídos ou altas temperaturas podem prejudicar o foco e devem ser consideradas para que a solução chame atenção de forma segura e eficaz;
- Qual tipo de conexão de internet é utilizada para acessar os softwares? Conhecer e testar a velocidade de conexão é necessário para não criar telas e fluxos que tornarão a solução lenta.
Carga cognitiva
Organização da interface
No caso de Dashboards, por exemplo, é necessário se atentar à ordem de leitura e à narrativa das informações. Arquitetura da Informação é outro fator primordial a ser bem desenvolvido em caso de soluções com mais de uma tela.
Progressive disclosure
Quais são as informações primordiais que não podem ser perdidas? Tente setorizar a informação de modo a não precisar mostrar tudo de uma vez. O ideal é que as pessoas obtenham uma informação em um único olhar (o que está acontecendo) e então tenham meios de se aprofundar nelas conforme desejem ou julguem necessário (como está acontecendo e porque está acontecendo).
Competindo por atenção
Com quais outros sistemas e atividades a solução terá que competir por atenção? Quão primordial é seu uso quando comparada às demais? Como manter os usuários ativos conforme necessário sem prejudicar sua segurança?
Integre
Se possível, e se for interessante do ponto de vista do negócio, verifique a possibilidade de integrar sua solução com outros sistemas. Uma integração com sistemas supervisórios SCADA, por exemplo, pode poupar o usuário de digitar o horário em que executou uma tarefa, além de tornar as informações mais precisas.
O clichê: menos é mais
Diferente de aplicativos que usamos no dia a dia por alguns minutos, há softwares industriais que necessitam de atenção por longos períodos de horas. É comum que softwares industriais tragam a visualização da planta completa, com representações de todos os ativos envolvidos no processo em um corte que nem sempre é organizado sistematicamente.
Antes de seguir essa tendência, pense no quanto esses layouts realmente adicionarão informação útil para os usuários. Visualizações costumam ser preferíveis no lugar de números, mas se não é possível representar de forma organizada, sistemática, de modo a facilitar encontrar as informações, ou se o estilo de representação adiciona carga cognitiva e aumenta a necessidade de carregamento ao utilizar imagens de alta resolução, gradientes, sombras, animações e muitas cores, isso poderá apenas desviar a atenção e cansar o usuário;
Ajude
Em soluções construídas para realizar tarefas complexas e envolvendo segurança não podemos nos guiar apenas pela interface intuitiva, uma vez que a segurança deve estar em primeiro lugar, é válido incluir uma seção de ajuda e tooltips ao longo da interface. Dependendo da complexidade das tarefas ou ainda do nível de maturidade industrial com soluções digitais, um onboarding progressivo ou tutoriais curtos em vídeo podem ser o ideal.
Design é Design
Como diz Joe Natoli, Design é Design e seus princípios são universais independente da mídia. Portanto, hierarquia, contraste, proximidade, alinhamento, repetição são necessárias sempre para tornar a interface fácil de ser lida e navegada, destacando o que for mais importante.
Cores
Na indústria, operadores já estão condicionados a entender o vocabulário cromático da sinalização de trânsito, portanto o uso de cores é uma boa maneira de se comunicar de forma ágil, tanto por meio de LEDs físicos quanto por meio de interfaces digitais. Assim:
- Vermelho: indica perigo ou necessidade de atenção imediata. Ex: parada inesperada, valores fora dos parâmetros desejados; produtividade prejudicada;
- Amarelo: indica necessidade de atenção ou mudança de condições antes que as mesmas afetem os indicadores acompanhados. Ex: a temperatura está chegando próxima ao limite de segurança;
- Verde: indica condições ideais ou normais. Ex: um processo está pronto para ser iniciado; a máquina está funcionando; as condições são seguras.
Podemos ainda acrescentar o azul para demais informações e funções que necessitem de algum destaque, como para registrar que uma função foi acionada, e o branco para indicar condições normais que não necessitem de atenção ou monitoramento humano.
Restrinja o uso de cores para informar e chamar atenção quando necessário. A maioria dos componentes pode ser representada com cores de baixa saturação e não relacionadas às cores de sinalização, ou até mesmo em escala de cinza.
Não esqueça da acessibilidade: softwares como Adobe Color ou plugins como o Color Blind auxiliam na escolha de cores que pessoas com problemas visuais, como daltonismo ou baixa visão, poderão interpretar sem problemas.
Ícones e botões
Busque referências sobre o que os softwares consolidados na área utilizam como ícones para representar palavras-chaves e posicionamento de botões. Teste seus ícones com profissionais da área para garantir o entendimento da navegação pela solução.
Conclusão
Chegamos ao fim, obrigada por ter lido! :) Os tópicos abordados neste artigo foram baseados em situações que precisei enfrentar ao longo do meu trabalho como UX/UI Designer e que diferiram bastante do que eu havia vivenciado em cursos da área e nos cases disponíveis no meu Medium. Além, é claro, do auxílio de diversos materiais tratando direta ou indiretamente sobre UX Design para ambientes industriais que me ajudaram neste percurso. Espero que este texto e os links abaixo te ajudem também.
Para se aprofundar
- Design de interação e UX para a indústria 4.0 (Tabata Milanez, 2020)
- People + AI Guidebook: Mental Models (Google, 2019)
- A experiência do usuário e a resistência a mudanças (Fabricio Teixeira, 2014)
- Indo audaciosamente onde nenhum outro designer esteve: a trajetória da transformação cultural de uma empresa com raízes militares através do design (Rafael Burity, 2019)
Referências
- UX for the Industrial Environment (Johnathan Walken, 2017)
- How to Design Industrial human-machine interfaces (Sannah Vinding, 2017)
- People + AI Guidebook: Mental Models (Google, 2019)
- Design Rules: Principles + Practices for Great UI Design (Joe Natoli, 2018) Udemy
- Dashboard Design Fundamentals (Joshua Brindley, 2021) Udemy