Etnografia e Imersão
A pesquisa de UX inclui dois tipos principais: quantitativo (dados estatísticos) e qualitativo (insights que podem ser observados); esta segunda, feito principalmente por meio de entrevistas e estudos de campo.
No âmbito qualitativo, os métodos etnográficos são uma ferramenta para entender o comportamento dos usuários, com o que eles se importam, como pensam e o que os motiva a realizar certas ações e a tomar determinadas decisões.
Realizar testes, entrevistas e convivência (observação) em um contexto real, onde as pessoas de fato estão, pode ser crucial para entender se novos produtos e serviços serão realmente úteis para esse público ou como melhorar produtos e serviços já existentes.
Veremos a seguir as principais fases da abordagem etnográfica e como realizar estudos e entrevistas de campo utilizando essa abordagem.
O que é etnografia?
Etnografia abrange um conjunto de métodos de coleta de dados originalmente utilizados na Antropologia — ciência que estuda o homem em sociedade.
No estudo etnográfico, o pesquisador mergulha na comunidade pesquisada, observando e vivenciando seus hábitos, seu habitat, seu dia a dia, sua cultura. O contexto é o elemento mais importante da etnografia.
Em UX, esse método é geralmente utilizado para entender a relação do usuário com determinado produto ou serviço. Sua finalidade é fornecer insights qualitativos para atender o universo de vivências e experiências dos consumidores/clientes/usuários.
Nos estudos de campo etnográficos, é necessário manter proximidade e uma relação amigável com as pessoas ou grupos que você observa e estuda. Além disso, é crucial trabalhar em parceria com eles ao longo do estudo.
Porém, ao mesmo tempo, é necessário manter uma postura de honestidade intelectual para não criar relatos e insights enviesados, baseados em suas crenças pessoais ou em uma “defesa” das pessoas ou do grupo.
Métodos etnográficos
A Etnografia conta com diferentes métodos de pesquisa que se enquadram na categoria de pesquisa de campo. De modo geral, eles são classificados em três grandes categorias:
- Observação direta: significa simplesmente observar alguém (ou um grupo de pessoas) para ver como se comportam e por quê. O registro dos dados pode ser em anotações (relatos) livres.
- Participação ativa: a observação de participação ativa significa que o pesquisador se junta ao grupo de pessoas que está sendo estudado e age junto deles, vivencia suas experiências (cabe notar que a presença do pesquisador, por si só, pode ser um fator de interferência nos hábitos/comportamentos do grupo, nesses casos). O registro de dados geralmente é feito por notas de campo ou anotações de diário escritas após o pesquisador ter cessado as observações do dia.
- Entrevistas: o método etnográfico combina entrevistas qualitativas informais com observação direta, isto é, ao mesmo tempo em que o pesquisador observa e/ou vivencia o contexto das pessoas estudadas, também conversa com elas e aplica questionários mais ou menos formais para somar mais informações à abordagem.
Principais etapas da pesquisa etnográfica
Existem duas fases principais na realização de um estudo de campo etnográfico: o período de planejamento preliminar e a parte que envolve o trabalho com os participantes.
Planejamento
A qualidade do seu planejamento impactará os resultados da sua pesquisa. É nesta fase que são feitas projeções, estipuladas as metas de pesquisa, criado um cronograma de ações e definido o “budget” (recursos necessários).
Há três pontos principais aos quais você deve se atentar ao planejar sua pesquisa de campo: a formulação dos objetivos, a escolha dos métodos e a seleção dos participantes.
Aqui estão alguns questionamentos que poderão ajudá-lo nesta etapa:
- Defina seus objetivos de pesquisa: procure os objetivos principais e concretos que podem ser praticamente respondidos por meio da pesquisa de UX.
- Converse com seus stakeholders: conduza entrevistas com as partes interessadas para descobrir o que elas querem aprender, quais decisões precisam tomar e o que esperam alcançar.
- Faça a si mesmo as seguintes perguntas: o que eu quero saber? Como vou saber? Quais decisões essa pesquisa permitirá?
Seleção do grupo
Recrutar/selecionar os participantes certos é uma das etapas mais importantes – e desafiadoras – em qualquer tipo de pesquisa.
Na etnografia, isso pode ter alguma complexidade a mais, já que o mais comum é o pesquisador ir até o contexto de convivência das pessoas ou grupo e não chamá-las para ambientes controlados, como os de testes ou entrevistas.
Semelhante ao recrutamento para outros tipos de pesquisa qualitativa, a seleção de pessoas/contexto para pesquisa etnográfica envolve:
- Definir seus objetivos e metodologia de abordagem (geralmente cobertos em seu plano de pesquisa do usuário).
- Definir o perfil das pessoas ou grupo/comunidade a serem observados ou com os quais o pesquisador conviverá durante a abordagem.
- Prever o contexto a ser abordado, isto é, onde os usuários serão observados ou como será feita a convivência com eles (em suas casas, no trabalho, em seus deslocamentos, nos momentos em que estão executando determinadas tarefas etc.).
- Prever o tempo de observação e/ou convivência com os usuários (um dia na vida deles, vários dias, horários específicos distribuídos ao longo de um período maior de tempo).
Coleta de dados
A coleta de dados e informações é o momento em que o designer ou pesquisador de UX observa ou convive com as pessoas ou grupos previstos.
Antes da abordagem
Monte um bom plano de abordagem etnográfica. Planeje deslocamentos, estadias, verifique se cabe uma preparação das pessoas ou grupos de antemão ou se a abordagem deve ser discreta, a uma certa distância, a fim de observá-los os mesmos em seu contexto natural.
Certifique-se quanto a questões de privacidade dos dados dessas pessoas. Havendo identificação das mesmas no estudo e uso de informações pessoais para quaisquer fins, cabe informá-las a respeito e, dependendo da situação, solicitar autorização para uso dessas informações.
Durante a abordagem
Observações normalmente demandam que o pesquisador ou se mantenha à distância/imperceptível, a fim de observar os usuários em suas vivências naturais.
Também podem envolver observação bastante próxima, em um contato próximo, em que o pesquisador convive com o usuário, o acompanha em sua jornada, conversa com ele a fim de captar mais percepções sobre seu comportamento, entre outras técnicas.
Um dos principais requisitos, tanto em observações como em convivências, é empatia com o outro, respeitá-lo (até porque o pesquisador que está interferindo em seu ambiente e rotina), esclarecer e ser transparente sobre os motivos da pesquisa e procurar deixar as pessoas à vontade.
Afinal, o que se deseja é perceber as pessoas em seu cotidiano, “sem filtros”, e não desempenhando um papel para agradar ao pesquisador, ou porque estão sendo observadas ou gravadas, o que gerará insights que não condizem com a realidade nem com as necessidades/objetivos do produto/serviço ou do negócio.
Cabe, é claro, durante a abordagem, tomar notas, sejam por escrito ou gravações de imagem e voz, a fim de ter subsídios para a escrita de relatório ou apresentação com as percepções captadas.
Após a abordagem
Esta etapa propõe uma organização das informações coletadas na pesquisa de campo.
Os relatos e impressões obtidos devem ser processados, resumidos e interpretados pelo pesquisador, a fim de serem transformados em informações relevantes ao produto/serviço ou ao negócio.
O resultado da abordagem costuma ser em forma de relatórios e/ou de apresentações visuais, de forma mais “narrativa”, embora possa ter observância de dados quantitativos ou de padrões comportamentais observados nas abordagens.
Conclusão
Entrevistas com usuários são momentos que permitem entrar no universo subjetivo de outros seres humanos, o que pode revelar desejos e necessidades capazes de originar novos produtos/serviços ou reinventar produtos/serviços existentes.
Uma boa condução de entrevistas é uma das formas por excelência de se explorar esta dimensão, que outros métodos, como os quantitativos, não conseguem abordar. Pode-se dizer que há um misto de “arte” e “ciência” no ato de entrevistar pessoas.